Sou coach e estou no mercado há algum tempo. Em todo esse período, nunca me deparei com um cliente que se identificasse como antiético. Também não vivi a experiência de ser questionada, abertamente, em minha ética profissional. É claro que coaches formados e credenciados em associações, que regulam essa classe profissional, têm os seus códigos de ética, os quais devem ser seguidos, tanto em benefício da profissão quanto dos impactos que ela causa no meio social em que estamos inseridos.
Podemos dizer que ética diz respeito ao caráter e está fortemente relacionada ao bem comum. É a reflexão que busca o bem comum. Que bem? Comum a quem? Fazer perguntas é parte da definição metodológica do processo de coaching e, claro, está a serviço de algumas exigências éticas do exercício da profissão. O bem a que me refiro, perpassa pelo menos três princípios básicos: respeito, justiça e solidariedade, segundo a filósofa Terezinha Rios. Comum a uma comunidade que ocupa um mesmo tempo, espaço e comunga dos mesmos costumes.
Entretanto, quando olhamos para as pessoas que integram essa comunidade, atuando em seus diversos papéis, inclusive o de coach ou de coachee, de clientes ou de patrocinadores do processo de Coaching, nos damos conta de que é preciso individualizar e aprofundar a pesquisa. Há que se reconhecer a estória de cada um. Entender por onde passamos durante essa caminhada e o que exatamente nos trouxe até aqui. Identificar que conjunto de valores morais e princípios éticos norteiam a nossa conduta na sociedade como um todo. E isso parece maior do que discorrer sobre um quadro de conduta moral ou um guia ético de nossas profissões. Mas é uma porta que se abre por onde podemos começar essa conversa.
Neste momento, diante da grande crise ética que vivemos no mundo e, particularmente, no Brasil, novas perguntas têm povoado minhas conversas internas.
Nesse contexto social e de diálogo sobre ética, como o coaching pode aprofundar e ampliar sua entrega ?
– Do que, afinal, é composta a ética ou o guia de conduta profissional do cliente? De quais valores e princípios? Quando o nosso cliente diz que tem foco em resultados, todo o conjunto restante cai por terra, diz o mestre Mário Sérgio Cortella. Segundo o filósofo e professor da PUC SP, só é possível focar uma coisa. E como só os grandes conhecedores de um assunto podem fazer, Cortella sente-se a vontade até mesmo para arriscar um trocadilho: “… quando nosso foco está no resultado, não temos ilusão de ótica, mas sim, de ética”.
As perguntas não param, a conversa interna não cala.
– E se o meu quadro de valores não condiz com o que reza a cartilha do cliente? Tudo bem, eu posso não aceitá-lo, como cliente, mas essa me parece apenas a saída mais fácil. A questão que insiste em permanecer diz respeito a como lidar com o outro refrão, muito conhecido na comunidade do coaching: “A agenda é do cliente e devemos ouvir sem julgar”. Tudo bem, mas como não julgar, quando se trata de valor ou de atribuir valor?
– Por fim, qual é a maneira adequada de nos colocarmos no mundo e, mais precisamente, no exercício do papel de coach, respeitando as regulações éticas da profissão, além de contribuir com o despertar da consciência ética do nosso cliente e da nossa sociedade?
Pois bem. Nenhum de nós se declara antiético ou inicia um processo de coaching por essa questão. Mas se a ética é um tema que perpassa nossas vidas e se temos uma grande crise instalada na sociedade, de alguma maneira estamos todos participando dessa crise – coaches e coachees.
Portanto é hora de falarmos mais claramente sobre isso. É hora de provocar o tema nas brechas que o processo de coaching proporciona, se quisermos ter uma participação mais efetiva na construção do mundo que queremos ter e viver.
*Célia Marchioni Iañez é – coach e consultora em desenvolvimento humano e organizacional na Diálogo-gente em desenvolvimento.
Célia Marchioni, PCC
celia@dialogodesenvolvimento.com.br